O excesso de luz cega a vista

O excesso de som ensurdece o ouvido

Condimentos em demasia estragam o gosto

O ímpeto das paixões perturba o coração

A cobiça do impossível destrói a ética

Por isto, o sábio em sua alma determina a medida para cada coisa

Todas as coisas visíveis lhe são apenas setas que apontam para o invisível.

(LAO-TSE)

 Essa reflexão está baseada na discussão sugerida por Fritjof Capra, em seu livro O Ponto de Mutação e no filme homônimo.

Primeiramente o autor traça um panorama na situação atual do mundo em que vivemos, ou seja, conclui que passamos por uma crise que abrange os vários âmbitos: cultural, social, econômico, político, dentre outros relacionados.

Ele aponta que uma possível solução para essa crise só poderá ocorrer se a “estrutura da própria teia for mudada, o que envolverá transformações profundas em nossas instituições sociais, em nossos valores e idéias”.[1] Trata-se de uma mudança cultural, apontada pela cientista no filme O Ponto de Mutação, que atenta o político para uma visão global dos problemas, assim sendo a mudança se dará também ao mesmo tempo nos valores, nas estruturas e nas instituições.

A cientista do filme chama a atenção que estamos vivendo uma crise de percepção da realidade, influenciada pela idéia patriarcal que quebrou o equilíbrio masculino x feminino de todas as coisas. Essa crise pode ser percebida, por exemplo, ao nos concentrarmos na questão ecológica; até por volta de 1960, eram poucas as pessoas que percebiam o esgotamento dos recursos naturais, as diversas formas de poluição, a extinção de muitas espécies da fauna, dentre outras coisas. Atualmente, até mesmo devido ao desenvolvimento tecnológico e científico, essa percepção da realidade ecológica já se mostra mais evidente, mas não ainda suficiente. Além da percepção, a cientista crê que o melhor é a prevenção ao invés da intervenção.

Para isso, a cientista propõe uma teoria dos sistemas vivos, a qual abrange os sistemas sociais e os ecossistemas, também chamada de teoria geral dos sistemas – essa teoria “considera o mundo em função da inter-relação e interdependência de todos os fenômenos; nessa estrutura, chama-se sistema a um todo integrado cujas propriedades não podem ser reduzidas às de duas partes. Organismos vivos, sociedades e ecossistemas são sistemas”.[2]

Essa teoria é baseada na terminologia yin/yang do I Ching chinês, com a qual o autor mais se identifica. De acordo com o I Ching, num sistema saudável, existe equilíbrio entre integração e auto-afirmação; equilíbrio esse que se mostra de maneira dinâmica entre duas disposições complementares, tornando o sistema flexível e aberto à mudança.

Dessa maneira, todas as ciências que foram influenciadas pela visão de mundo cartesiana e pela física newtoniana estão mostrando suas limitações – “para transcender os modelos clássicos, os cientistas terão de ir muito além da abordagem mecanicista e reducionista, tal como se fez na física, e adotar enfoques holísticos e ecológicos”. [3]

Pode-se perceber que não será através desses modelos clássicos de ciência, que a crise apontada por Capra se resolverá. Uma vez que será necessária uma mudança em âmbito geral, talvez ela tenha que começar pela própria ciência.

Pergunta-se então, como transcender esses modelos clássicos, como adotar enfoques holísticos e ecológicos? Como mudar a ciência?

Inicialmente, considero corajoso e desbravador os que foram inovadores ao enfrentar o racionalismo crítico, pois esses contribuíram para a transformação do pensamento que hoje se processa. Um desses homens foi Albert Einstein, que ao ser perguntado como havia chegado à revolucionária Teoria Geral da Relatividade, em 1915, disse “Por meio da intuição”. Depois disse que não existe nenhum caminho lógico para a descoberta das leis elementares do Universo.

A intuição, uma palavra meio próxima da magia e com pouca credibilidade no meio científico tradicional, parece ser mais aceita atualmente. Talvez porque essa ciência tradicional não está mais conseguindo “resolver” as crises pelas quais todos somos atingidos.

Aliada da percepção criativa do espírito humano, a intuição encaixa-se perfeitamente nestes novos tempos em que a chamada inteligência emocional passa a ocupar um lugar de destaque no mundo ocidental. Esse pensamento foi possível graças a um cientista que abriu esse caminho tão conhecido e ensinado pelos velhos sábios. Einstein mesmo ironizou a rigidez científica, parece que aconselhando-nos a não adorar essa ciência como a única verdade estabelecida sob os céus.

Há mais coisas entre o céu e a terra do que imagina a nossa vã filosofia. Essa frase do imortal personagem Hamlet do dramaturgo inglês William Shakespeare, mostra toda a riqueza interior do homem com suas forças e fraquezas, alegrias e angústias, limitações e infinitudes. Não somente Shakespeare conseguiu mostrar isso, mas todos os que colocaram em prática seus dons naturais como a imaginação, a criatividade, a inventividade e a intuição a serviço da evolução e crescimento do indivíduo, ou simplesmente para deleitar e alegrar as pessoas.

Esses valores deveriam ser mais apreciados pelos homens e pela ciência. Parece mesmo que o excesso de materialismo e de egoísmo, que leva o homem a pensar apenas em si próprio, esquecendo-se que precisa do meio-ambiente em harmonia para sua sobrevivência, estão com os dias contados.

Estamos presenciando aos poucos a queda de velhas teses de uma cultura fundamentada nesses valores materialistas e egoístas. A ortodoxia de certas correntes de pensamento que reduziram a grandiosidade da natureza humana a um pequeno poço de egocentrismo não está mais sendo aceita.

Ao que tudo indica, a vitória será da humanidade vista agora, por si mesma, como um universo repleto de possibilidades criativas, intuitivas e sensíveis.

Mokiti Okada, filósofo e pensador japonês, falava há 60 anos do nascimento da cultura do dia, centralizada no espiritualismo, no altruísmo e no respeito às Leis da Natureza. Talvez esse seja o caminho para ir além da abordagem mecanicista e reducionista, ou seja, observando a Natureza e nos guiando pela sua Verdade, poderemos perceber a importância do pensamento altruísta na nossa própria preservação. E dessa maneira a intuição poderá alcançar seu devido valor.

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[1] CAPRA, F. O Ponto de Mutação, (Tradução Álvaro Cabral). SP: Cultrix, p. 23.

[2] CAPRA, F. O Ponto de Mutação, (Tradução Álvaro Cabral). SP: Cultrix, p.40.

[3] CAPRA, F. O Ponto de Mutação, (Tradução Álvaro Cabral). SP: Cultrix, p.46.

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